O maior problema nos relacionamentos é a constatação e a aceitação do que somos intimamente versus o que somos dentro da relação.
O ser humano apesar de um ser social, e eu ia utilizar neste momento a palavra "postulado" mas talvez "axioma" se aplique melhor, parece nascer centrado nele mesmo. Não nascemos sabendo conviver e atuar com as boas práticas do convívio social. Nascemos pensando em nós mesmos, no que queremos da vida, no que somos e em como o "mundo" precisa ser para interagir com o nosso pequeno universo.
Aí é aquela velha história do jovem que leva vida dupla. Em casa ele é certinho e não fala palavrão e no colégio ele se solta com os amigos. Está errado isso? Creio que não. Intimamente ele pode ter qualidades como o respeito aos pais, a vontade de se acertar na relação familiar mas no fundo ele necessita ser mais livre, expressar-se de uma forma mais ousada que não necessariamente implica em agir de uma forma agressiva. Seria o que eu quero dizer com o ser social, o que o jovem é perante os pais, respeitando as regras que aquela relação impõe e o que ele realmente quer ser socialmente e que transparece com os amigos, mesmo que permeado por outras regras que aquele grupo acaba impondo também.
No outro dia eu li na Caras (sim, eu pratico a leitura diversificada...) que a modelo Raica declarava que detesta homem romântico. Quanto mais meloso, mais ela quer distância deles. Então eu pensei: "ora, então ela tem que evitar mesmo". Porque quando existimos numa relação, e aí não precisa ser somente amorosa, pode ser qualquer relação, reprimindo o "ser pessoal", isso se transforma numa bomba relógio ou no pivô de conflitos intermináveis. Quer prova mais espontânea do ser íntimo do que a forma como uma pessoa deseja demonstrar o afeto pela outra?
E é então que eu chego no cerne desta minha reflexão: que muitas vezes nos magoamos ou os outros se irritam conosco por coisas que são vistas como propositais: "você fez isso que eu não gosto". Quando na verdade, a pessoa está "sendo". É assim que ela é, na relação familiar, afetiva, de trabalho. E ela não precisa mudar aquele aspecto se não a incomoda. E ela não vai mudar porque é algo enraizado, que define sua personalidade, que mesmo que a incomode, pode levar tempo se ela tentar mudar. E aí entra outra coisa que parece existir dentro das relações: a fixação de um perfil geral que montamos dentro da nossa cabeça. Congelamos uma imagem de como a pessoa é, e somos incapazes de enxergar as mudanças que o outro procura promover em si mesmo em prol da relação. Qualquer deslize, qualquer ato que remotamente lembre a forma de agir anterior joga por terra abaixo todo o trabalho que vinha sendo feito.
É por isso que se ouve tão frequentemente a frase: "quero alguém que goste de mim como eu sou". É a desistência, o cansaço de tentar mudar e não ser reconhecido falando alto. E é por isso que a gente não pode gerar expectativas. A gente não pode ficar esperando uma determinada atitude de outra pessoa diferente de como ela costuma agir porque a expectativa pode estar sendo baseada em algo distante do que o outro realmente é.
Viver relações sem cobranças e sem expectativas não é fácil. Por último, e como sempre, vou dizer que a maior parte das coisas sobre as quais eu reflito aqui, para as quais eu procuro dar uma solução, parecem lógicas mas são rapidamente boicotadas pelo sentimento e principalmente pelo egocentrismo. Não é porque a gente acha que deve ser feito que a gente consiga fazer. Mas gosto de pensar que são exercícios. E que um dia a gente vai passar na prova, nem que seja na média.