Como tantas outras vezes eu entrava no elevador. Mas não era um elevador comum. Não que os das outras vezes fossem; em geral tinham quatro portas e muitos paineis, os antigos, quero dizer.
O elevador desta vez era como um carrinho que corria num trilho por um longo corredor. A esquerda de mim, um painel digital. As pessoas a minha direita começaram a falar, e eu, que não suporto pressão ou ordens, para meu azar apertei diretamente o número do andar: oitavo. E foi quando observei o elevador correndo no trilho que percebi meu erro: que deveria, na verdade, ter digitado o número do quarto. 815. Mas era tarde demais então pensei: "desço no oitavo e caminho até o quarto".
Chegando lá me dei conta de que aquele corredor me levava, não ao quarto como eu imaginava, mas ao apartamento onde eu moro. Os números das portas não estavam ordenados e o corredor era longo. Era um corredor que eu desconhecia, no meu próprio prédio.
O instinto me fez caminhar para o outro lado (mas que coisa essa que eu tenho com o lado esquerdo). E de fato, era para aquele lado. Vi do lado de fora do apartamento dois pares de sapatos, dos meus filhos, que haviam sido limpos e que estavam ali fora para secar.
Então eu tive certeza de que era naquela porta que eu tinha que entrar.
quarta-feira, 28 de março de 2012
terça-feira, 27 de março de 2012
Ilha
Disseram-me que ia ter festa de aniversário na ilha e me pareceu muito simpático, convidativo. Vários já estavam lá. Ainda faltavam alguns, como eu.
Procurei a ilha com os olhos e para minha surpresa, ficava bem mais perto do que eu imaginava. Procurei porque eu também sabia que para chegar lá era preciso entrar num barco. E supus uma longa viagem.
Enquanto eu olhava para a ilha, percebi o barco que rumava para lá; várias ondas o golpeavam e todos dentro se molhavam completamente. As ondas pareciam querer engoli-lo. E o mais surpreendente era que mais para a esquerda, a ilha ficava tão próxima, que era possível chegar caminhando, molhando-se apenas até a cintura.
Eu não entendia porque, sendo aparentemente tão fácil de chegar, mesmo assim nos disseram que tínhamos que ir de barco.
Eu não entendi, mas aceitei. Não havia tempo para descobrir.
Fiquei parada ali na areia, pensando em escolhas e no momento de atravessar. Imaginando o que seria da minha roupa de festa.
Aguardava a minha vez, com muito medo de me molhar e de sentir frio.
Procurei a ilha com os olhos e para minha surpresa, ficava bem mais perto do que eu imaginava. Procurei porque eu também sabia que para chegar lá era preciso entrar num barco. E supus uma longa viagem.
Enquanto eu olhava para a ilha, percebi o barco que rumava para lá; várias ondas o golpeavam e todos dentro se molhavam completamente. As ondas pareciam querer engoli-lo. E o mais surpreendente era que mais para a esquerda, a ilha ficava tão próxima, que era possível chegar caminhando, molhando-se apenas até a cintura.
Eu não entendia porque, sendo aparentemente tão fácil de chegar, mesmo assim nos disseram que tínhamos que ir de barco.
Eu não entendi, mas aceitei. Não havia tempo para descobrir.
Fiquei parada ali na areia, pensando em escolhas e no momento de atravessar. Imaginando o que seria da minha roupa de festa.
Aguardava a minha vez, com muito medo de me molhar e de sentir frio.
domingo, 4 de março de 2012
Reencontro
Apareceu como se nunca tivesse ido. Ela o olhou com certa desconfiança. Os que estavam em volta nem perceberam. Parecia tudo muito natural, como sempre.
Ele se aproximou, passou a mão pelos ombros dela. Um frio na nuca denunciou perigo. Mas quando ele colocou a mão no seu ombro direto, puxando-a para si, sentiu aquele morno descendo pelo corpo, um sinal de intimidade, de familiaridade. Tudo tinha voltado ao normal.
Falou-lhe de coisas corriqueiras, do que viam ao redor, do momento. E ela não quis questionar. Não quis voltar nas dores antigas, recapturar as dúvidas e o sofrimento. Ela simplesmente ficou ali, olhando para o nada e sentindo aquele braço nos ombros.
Começaram a caminhar quase sem destino. Ele dizia que queria olhar coisas. E eles caminhavam e conversavam como dois amigos, ele com a mão no ombro dela e ela enlaçando a cintura dele, e puxavam-se um para o outro com urgência, com uma força delicada, como se querendo fundir-se um ao outro, tamanha a saudade e a dor da ausência. Aquele perfil, o quadril dele se encaixando na cintura dela, aquela forma que os dois tinham junto. Era como se o certo tivesse voltado, o que tinha acabado mas que na verdade devia ser para sempre.
E seguiram assim caminhando e se amando num abraço de lado, falando de frivolidades e não pensando, porque não havia espaço para pensamento. Só havia sensação. O cheiro, o toque, o vento que levantava de leve os cabelos e aquele abraço de lado, apertado.
E pelo menos naquele momento, parecia que ia dar tudo certo novamente.
Mas será que ia mesmo?
Ele se aproximou, passou a mão pelos ombros dela. Um frio na nuca denunciou perigo. Mas quando ele colocou a mão no seu ombro direto, puxando-a para si, sentiu aquele morno descendo pelo corpo, um sinal de intimidade, de familiaridade. Tudo tinha voltado ao normal.
Falou-lhe de coisas corriqueiras, do que viam ao redor, do momento. E ela não quis questionar. Não quis voltar nas dores antigas, recapturar as dúvidas e o sofrimento. Ela simplesmente ficou ali, olhando para o nada e sentindo aquele braço nos ombros.
Começaram a caminhar quase sem destino. Ele dizia que queria olhar coisas. E eles caminhavam e conversavam como dois amigos, ele com a mão no ombro dela e ela enlaçando a cintura dele, e puxavam-se um para o outro com urgência, com uma força delicada, como se querendo fundir-se um ao outro, tamanha a saudade e a dor da ausência. Aquele perfil, o quadril dele se encaixando na cintura dela, aquela forma que os dois tinham junto. Era como se o certo tivesse voltado, o que tinha acabado mas que na verdade devia ser para sempre.
E seguiram assim caminhando e se amando num abraço de lado, falando de frivolidades e não pensando, porque não havia espaço para pensamento. Só havia sensação. O cheiro, o toque, o vento que levantava de leve os cabelos e aquele abraço de lado, apertado.
E pelo menos naquele momento, parecia que ia dar tudo certo novamente.
Mas será que ia mesmo?
sábado, 3 de março de 2012
Reclusão
Minha avó, que Deus a tenha, desistiu de sair de casa quando eu tinha por volta de uns 12 anos de idade. Se a memória não me falha, isso deve ter sido lá pelos anos de 1981, 1982?
Ela acordava sempre na mesma hora, trocava de roupa, sentava na cama com o radinho de pilha na mão e começava a escutar os programas. E assim ia. Tomava café, sempre café com pão e manteiga, lavava a louça e tornava a sentar na cama. Ao longo do dia executava pequenas tarefas domésticas, sempre ligadas a arrumar alguma coisa na cozinha e lavar a louça. E sempre sentava de volta na cama com o radinho de pilha na mão. Cozinhava pouco, mas sempre os quitutes mais memoráveis. Bolinhos de fubá, doce de mamão ralado, coisas assim. E fazia crochê e tricô de dar inveja. Mas não admitia ser uma boa artesã. Ao cair da tarde ela ligava a TV, assistia umas novelas. A das seis e a das sete porque a das oito tinha temas muito fortes. E o engraçado é que não acendia a luz, era tudo no escuro. Porque na época que ela era criança, não havia luz. Era tudo iluminado por lampião à noite. Então foi assim que ela se acostumou. Ela tinha um ritual, que era praticamente o mesmo todo dia. Eu passava na porta do quarto dela e tentava vislumbrar a figura dela no escuro, com os cabelos brancos e os óculos de armação de resina transparente. E quando percebia o brilho da lente no escuro, que me olhava de volta, eu acelerava o passo para a sala, com vergonha.
Naquela época de criança,lembro que sentia estranheza. Me causava espanto alguém que não tivesse curiosidade, que não quisesse fazer cada dia uma coisa diferente, que não quisesse dar uma olhada no mundo lá fora, que diga-se de passagem, agora percebo, era muito mais interessante do que hoje em dia. Essa era a impressão de criança. Agora, como adulta e bem mais nova do que ela, fico pensando que se hoje pudesse reencontrá-la, ia descrever essas cenas vistas com olhar infantil e ia esperar dela uma explicação. E quem sabe, talvez, eu descobrisse que as aflições que lhe iam por dentro não eram assim tão diferentes das que vão por dentro de mim. Alguma saudade, algum arrependimento, alguma sensação de querer fazer mais do que parece estar ao alcance. Que o radinho de pilha que ela segurava era o equivalente ao moderno iphone que eu seguro hoje em dia. Que o twitter que eu tanto olho, tinha o mesmo sabor do José Carlos Araújo que anunciava tão animadamente um programa que no fim não preenchia a expectativa que ela colocava em cima. Que as palavras hoje lidas, antigamente ouvidas, não chegavam na velocidade ou no conteúdo esperado.
E assim minha avó viveu. Durante uns 10 anos? Que pensando agora me parece pouco mas na época era uma eternidade. Era simplesmente a minha adolescência inteira. Minha avó faleceu com uns 81 anos? Hoje nem me parece tanto assim se acovardar aos 70 anos.
E que minha avozinha me desculpe por expô-la tanto assim. Mas é que hoje, depois de adulta, lembro com mais carinho ainda do seu jeito de ser. Se quando criança eu já intuia algo profundo por trás daquela maneira de viver, mas que eu simplesmente não era capaz de compreender, hoje, não sei se felizmente ou infelizmente, posso dizer que mais carinho ainda eu sinto. Talvez por finalmente entender.
Ela acordava sempre na mesma hora, trocava de roupa, sentava na cama com o radinho de pilha na mão e começava a escutar os programas. E assim ia. Tomava café, sempre café com pão e manteiga, lavava a louça e tornava a sentar na cama. Ao longo do dia executava pequenas tarefas domésticas, sempre ligadas a arrumar alguma coisa na cozinha e lavar a louça. E sempre sentava de volta na cama com o radinho de pilha na mão. Cozinhava pouco, mas sempre os quitutes mais memoráveis. Bolinhos de fubá, doce de mamão ralado, coisas assim. E fazia crochê e tricô de dar inveja. Mas não admitia ser uma boa artesã. Ao cair da tarde ela ligava a TV, assistia umas novelas. A das seis e a das sete porque a das oito tinha temas muito fortes. E o engraçado é que não acendia a luz, era tudo no escuro. Porque na época que ela era criança, não havia luz. Era tudo iluminado por lampião à noite. Então foi assim que ela se acostumou. Ela tinha um ritual, que era praticamente o mesmo todo dia. Eu passava na porta do quarto dela e tentava vislumbrar a figura dela no escuro, com os cabelos brancos e os óculos de armação de resina transparente. E quando percebia o brilho da lente no escuro, que me olhava de volta, eu acelerava o passo para a sala, com vergonha.
Naquela época de criança,lembro que sentia estranheza. Me causava espanto alguém que não tivesse curiosidade, que não quisesse fazer cada dia uma coisa diferente, que não quisesse dar uma olhada no mundo lá fora, que diga-se de passagem, agora percebo, era muito mais interessante do que hoje em dia. Essa era a impressão de criança. Agora, como adulta e bem mais nova do que ela, fico pensando que se hoje pudesse reencontrá-la, ia descrever essas cenas vistas com olhar infantil e ia esperar dela uma explicação. E quem sabe, talvez, eu descobrisse que as aflições que lhe iam por dentro não eram assim tão diferentes das que vão por dentro de mim. Alguma saudade, algum arrependimento, alguma sensação de querer fazer mais do que parece estar ao alcance. Que o radinho de pilha que ela segurava era o equivalente ao moderno iphone que eu seguro hoje em dia. Que o twitter que eu tanto olho, tinha o mesmo sabor do José Carlos Araújo que anunciava tão animadamente um programa que no fim não preenchia a expectativa que ela colocava em cima. Que as palavras hoje lidas, antigamente ouvidas, não chegavam na velocidade ou no conteúdo esperado.
E assim minha avó viveu. Durante uns 10 anos? Que pensando agora me parece pouco mas na época era uma eternidade. Era simplesmente a minha adolescência inteira. Minha avó faleceu com uns 81 anos? Hoje nem me parece tanto assim se acovardar aos 70 anos.
E que minha avozinha me desculpe por expô-la tanto assim. Mas é que hoje, depois de adulta, lembro com mais carinho ainda do seu jeito de ser. Se quando criança eu já intuia algo profundo por trás daquela maneira de viver, mas que eu simplesmente não era capaz de compreender, hoje, não sei se felizmente ou infelizmente, posso dizer que mais carinho ainda eu sinto. Talvez por finalmente entender.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Clone
Eu voltei na loja que vendia jóias, cachimbos e jogos de mesa com a minha mãe, para buscar o anel que ela tinha comprado.
Enquanto esperava sentada no sofá, apareceu no meu colo uma pessoa que eu amei. Ele dormia, plácido, bonito e de meu susto acordou.
Olhou para mim com uns olhos vazios e foi então que eu lembrei que aquele era um clone. Espíritos maus tinham criado um corpo igual mas sem alma. O verdadeiro estava longe, nem sabia onde.
Ele olhou para mim, tentou balbuciar algumas palavras para me convencer de que era de verdade.
Eu estava certa de que não era.
Eu lhe pedi que voltasse para casa. Alguém tomaria conta dele lá. Senti muito medo e alguma repulsa. Mas não podia deixar de me preocupar.
Pensei em dar-lhe 10 reais para o ônibus. Mas e se sentisse fome? E se se perdesse?
Contei as notas, dei-lhe 30 reais e acordei.
Acordei de um sonho ruim mas não menos aflita.
Por que de pronto lembrei que na vida real os clones também existem.
Enquanto esperava sentada no sofá, apareceu no meu colo uma pessoa que eu amei. Ele dormia, plácido, bonito e de meu susto acordou.
Olhou para mim com uns olhos vazios e foi então que eu lembrei que aquele era um clone. Espíritos maus tinham criado um corpo igual mas sem alma. O verdadeiro estava longe, nem sabia onde.
Ele olhou para mim, tentou balbuciar algumas palavras para me convencer de que era de verdade.
Eu estava certa de que não era.
Eu lhe pedi que voltasse para casa. Alguém tomaria conta dele lá. Senti muito medo e alguma repulsa. Mas não podia deixar de me preocupar.
Pensei em dar-lhe 10 reais para o ônibus. Mas e se sentisse fome? E se se perdesse?
Contei as notas, dei-lhe 30 reais e acordei.
Acordei de um sonho ruim mas não menos aflita.
Por que de pronto lembrei que na vida real os clones também existem.
Assinar:
Postagens (Atom)