quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Seria mais fácil?

Uma sonata em geral é composta de três partes, eventualmente quatro, chamadas de movimentos.

O primeiro movimento é mais ou menos rápido, transmite segurança, algo do tipo "ei, a vida é bela, estou começando, vai tudo bem". O segundo movimento despenca para a melancolia, no tempo "andante", o que estava bem passa a triste e choroso. Em geral, este é o meu movimento preferido na sonata. Por último, no terceiro e quarto movimentos, vem a alegria. Se for Mozart por exemplo, sentiremos um ritmo dançante, daqueles parecendo os minuetos dançados nos filmes de época. Se for Beethoven, aí a história muda um pouco de figura, tem que ser uma coisa mais marcante, triunfal, para fazer aquele fechamento da peça com chave de ouro.

Eu toquei a minha primeira sonata acho que com uns 9 anos de idade. Se não me engano, era Scarlatti. Não que eu fosse prodígio, era o normal da programação rígida do conservatório. Aos 14, 15 anos já tocava peças complexas. O meu preferido sempre foi Beethoven.

Antes de qualquer audição ou prova na sede do Conservatório (pois eu estudava numa filial), era comum, fora as aulas regulares, fazermos ensaios especiais, onde todas as professoras se reuniam em forma de banca e ouviam as peças, cada uma dando a sua avaliação e apontando os trechos a serem melhorados. Música clássica dá muito trabalho. Tem que treinar muito, prestar muita atenção e o erro nunca é aceitável.

Certa vez, eu estava tocando o segundo movimento de uma sonata de Mozart (seria K 280?) e como era um ensaio geral, empenhei-me ao máximo. Na verdade, eu me senti naquele momento só, esqueci da banca, do zum-zum-zum na recepção do conservatório, dos ônibus que freiavam no ponto próximo. Era eu, o piano, duas mãos executando três vozes, linhas melódicas que passeavam da mão direita para a esquerda. Creio que foi a minha melhor execução daquele movimento. E quando me virei para trás, minha professora, saudosa D. Dariléa Hill tinha lágrimas nos olhos.

Desde cedo era assim, desde pequenininha a professora falava: staccatto, agora com sentimento, pianíssimo, forte. E fui aprendendo a dar sentimento para pequenas bolinhas pretas no papel.

Fico pensando se é isso que me faz olhar para as coisas não como elas são mas carregadas de algum sentimento. Não que isso seja sempre bom. Pergunto-me se eu nunca tivesse aprendido a tocar uma sonata com sentimento, se seria mais fácil.

2 comentários:

Cacau! disse...

Se você não tivesse esses sentimentos todos já aí dentro não conseguiria colocá-los na sonata. São eles que te fazem olhar para as coisas do seu modo peculiar. Quer dizer: você não tem esses sentimentos por ser pianista, você é pianista por ter esses sentimentos. Uma coisa só aperfeiçoa a outra. Ih, acho que fui confusa...

Lilly disse...

Confusa nada... entendi perfeitamente e adorei o que vc escreveu... bjs!