Assim ela me contou e faço deste blog instrumento:
Ela tinha uns 10 anos. Nem sabe direito como começou. Parece que foi num dia, sala de aula um tanto agitada, olhou para trás e no meio da confusão estava ele, alheio ao barulho, cabelos castanhos e pele branca, na fileira ao lado. Ela diria que foi "amor à primeira vista".
A partir daí, as aulas nunca foram mais as mesmas. Entre uma matéria e outra, lições copiadas do quadro-negro, olhares furtivos para trás cheios de curiosidade e timidez. Chegar ou sair da sala, movimentos automáticos até então, foram preenchidos com expectativa e surpresa.
Ela ia a pé para a escola. Mas nunca se encontraram no caminho. Não é de se surpreender então que ela ficasse tão entusiasmada um dia, quando saindo da padaria, ela o visse lá do outro lado da rua. Havia um carro. O que estavam fazendo, ele e seu pai, se consertando ou lavando, pouco importou. A camisa de estampa diferente, meio parecendo pano de cortina, que em qualquer outro menino pareceria engraçada, nele lhe pareceu interessante.
Passar naquela calçada, em frente àquele prédio, tornou-se também motivo de anseio, quase angústia esperançosa.
O ano terminou, outro ano começou e ele não estava mais. Nunca mais o viu, nem mesmo em frente ao prédio. Depois de alguns meses, acreditou que tinha se mudado dali para outro lugar.
Restou daquele ano apenas a foto escolar que durante as férias havia lhe dado conforto.
Seis anos se passaram. Chamou-lhe a outra amiga, um certo dia, para ir à sua casa. Chegou a ter, no fundo de sua memória, um lampejo de lembrança daquele que morava anos atrás, no prédio ao lado. E qual não foi a sua confusão de emoções ao ver que quem conversava com o irmão da sua amiga, em frente ao prédio era justamente aquele menino. Menos menino é claro, quase corpo de homem, mas o mesmo rosto tranquilo. Num tempo praticamente incontável, talvez menos de um segundo, vieram-lhe na mente todas aquelas imagens: sala de aula, foto escolar de final de ano, camisa de cortina...
Foram apresentados. O nome, ela já sabia. No olhar dele, não conseguiu vislumbrar nenhum traço de reconhecimento. Sendo assim, guardou para si o fato de já se conhecerem. Naquele momento, mesmo tantos anos depois, reacendeu-se com mais vigor adolescente o amor infantil.
A partir dali, encontraram-se muitas vezes, durante mais alguns anos. Roda de amigos divertida. Tornou-se a relação bem menos platônica mas nem tanto possível. Seguiram-se mais encontros e desencontros, até que o movimento da vida finalmente os separou.
Eu que vejo de fora observo: como é bonito perceber que seus olhos brilham, quando daquela época ela me conta. Lembrando que naquele tempo despreocupado bastava um olhar ou uma conversa para preencher o seu dia de alegria. Roubo para mim um pouco da memória dela, na esperança de que ao torná-la minha, retire algum ensinamento.
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