quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Filosofando


Este post de certa forma é uma resposta a um comentário que uma amiga me fez no post passado. Eu já li algumas coisas budistas (poucas) . Confesso que fiquei um pouco irritada com a filosofia do nada. Acho que não dá para aplicar esta filosofia o tempo inteiro, jogar tudo para o alto, radicalizar e ficar ali, vivendo como uma planta.


Por outro lado, a gente até entende o benefício de se desligar de si mesmo por alguns minutos. Em certos momentos, isso é extremamente necessário, pois acontece de certos pensamentos incômodos e repetitivos invadirem a gente. Tem pessoas que são naturalmente "zen" e parece que nada lhes atinge. Infelizmente eu não sou assim. Outra coisa é, às vezes, o quadro nem é tão negro mas se estamos num momento ruim, tendemos à auto-punição e enxergamos os fatos vestidos de negativismo, criando situações na nossa cabeça que nem existem.


É nessas horas que temos que nos valer dos ensinamentos orientais para esvaziar a cabeça. Esvaziá-la dos pensamentos que desnecessariamente causam sofrimento. Quem faz Yoga sabe que no momento final da aula, há um momento de meditação. E o instrutor nos conduz a um estado de consciência corporal. É o existir sem pensamentos. Ele manda que nós nos concentremos e abandonemos todos os pensamentos desnecessários e que não fazem parte daquela prática. E olha, funciona.


É amiga, você tem razão. Clarice Lispector, de certa forma tem algo de budista. Pelo menos no livro que estou lendo "Água Viva", ela "pincela", como ela mesma diz, alguns pensamentos que lembram esta filosofia. Vou transcrever algo que li logo após o seu comentário e que acho que tem a ver com o que estamos discutindo:

"Quando se vê, o ato de ver não tem forma - o que se vê às vezes tem forma, às vezes não. O ato de ver é inefável. E às vezes o que é visto também é inefável. E é assim certa espécie de pensar-sentir que chamarei de "liberdade", só para lhe dar um nome. Liberdade mesmo - enquanto ato de percepção - não tem forma. E como o verdadeiro pensamento se pensa a si mesmo, essa espécie de pensamento atinge seu objetivo no próprio ato de pensar. Não quero dizer com isso que é vagamente ou gratuitamente. Acontece que o pensamento primário - enquanto ato de pensamento - já tem forma e é mais facilmente transmissível a si mesmo, ou melhor, à própria pessoa que o está pensando; e tem por isso - por ter forma - um alcance limitado. Enquanto o pensamento dito "liberdade" é livre como o ato de pensamento. É livre a um ponto que ao próprio pensador esse pensamento parece sem autor.

O verdadeiro pensamento parece sem autor.

E a beatitude tem essa mesma marca. A beatitude começa no momento em que o ato de pensar liberou-se da necessidade de forma. A beatitude começa no momento em que o pensar-sentir ultrapassou a necessidade de pensar do autor - este não precisa mais pensar e encontra-se agora perto da grandeza do nada. poderia dizer "tudo". Mas "tudo" é quantidade, e quantidade tem limite no seu próprio começo. A verdadeira incomensurabilidade é o nada, que não tem barreiras e é onde uma pessoa pode espraiar sem pensar-sentir.Essa beatitude não é em si leiga ou religiosa. E tudo isso não implica necessariamente no problema da existência ou não-existência de um Deus. Estou falando é que o pensamento do homem e o modo como esse pensar-sentir pode chegar a um grau extremo de incomunicabilidade - que, sem sofisma ou paradoxo, é ao mesmo tempo, para esse homem, o ponto de comunicabilidade maior. Ele se comunica com ele mesmo."

Para quem ouve pela primeira vez, parece "viagem" mas a gente só se dá conta do que é o tal do "nada", do não existir, da consciência corporal, enfim, como queiram chamar, depois que a gente consegue vivenciar esta experiência pelo menos uma vez.




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