quinta-feira, 14 de maio de 2009

E aprendeu a se calar

Lamentavelmente desde muito cedo, cedo demais, foi obrigada a conviver com a agressão do silêncio. Silêncio incômodo, rígido, raivoso.

No início não conseguia compreender o que podia justificar a agressão. Corroía-se de culpa sem saber o motivo. Era obrigada a rever atos que não compreendia.

Mais tarde, por ironia do destino, tornara-se por demais eloqüente e tratava de explicar. Discussões sem fim, sem ganhador, só perdedores. E de novo era agredida com o silêncio. A culpa ainda lhe acometia. O silêncio vencia.

Com o tempo deu-se conta de que quem se fecha com o silêncio magoado, raivoso, na verdade se fecha para o mundo. Não consegue aceitar que existam no mundo pessoas diferentes, com diferentes opiniões e vontades. Que nem sempre se tem razão. Ou que nem sempre vale a pena ter razão. E que na incapacidade de reconhecer e lidar com esse fato, agride as pessoas com o silêncio. Agressão covarde contra a qual não existe defesa.

Foi então que aprendeu a se afastar e a se calar. De nada adianta tentar explicar fatos a quem não quer ouvir e nem refletir. Perde quem se fecha à oportunidade de superar as crises. E por incrível que pareça, muitas pessoas escolhem esse caminho. O mais difícil e solitário.

Muitas vezes teve vontade de dizer:

"Olha, preciso sair com meus amigos. Eles são imperfeitos como eu mas são bons e estão aprendendo." Mas se calou.

"Amiga desculpe. Eu cometi um erro e não posso voltar atrás. Entretanto é um fato pequeno diante da nossa amizade e vale a pena perdoar". Mas se calou.

"Você é especial para mim mas eu não sou para você. Você brinca com os sentimentos das pessoas e isso eu não posso aceitar". Mas se calou.

"Eu aprendi a enxergar meus exageros e amadureci. Mas você não conseguiu rever os seus e se tornou mais egoísta". Mas se calou.

"Você foi importante na minha vida e isso jamais será esquecido mas você sempre prioriza os seus objetivos e eu gostaria de companheirismo, respeito, confiança e serenidade". Mas se calou.

"Tudo parece melhor com você mas eu não posso aceitar só o que você quer me oferecer". Mas se calou.

"A qualidade que torna a jóia preciosa é a sua raridade. Não se deve pagar pelo plástico e pelo diamante o mesmo preço". Mas se calou.

"Você não me conhece e não deveria me julgar pelas escolhas que fiz e que nem sequer te afetam". Mas se calou.

"De uma forma estranha eu compreendo que nem tudo o que se faz com efeito negativo é com o intuito direto de prejudicar. É o que se é diante de todos, é indiscriminado". Mas se calou.

"Não se deve tomar como pessoal algo que não é pessoal". Mas se calou.

Foi um silêncio amadurecido e escolhido e por isso menos dolorido. Não com sentimento de derrota ou de vingança. Foi um silêncio conciliador pois de nada adiantaria argumentar.

Quem se calou primeiro escolheu a própria verdade, ficou com o sentimento amargo. Escolheu a rejeição. Escolheu se sentir menor do que realmente é.

Calou-se então, não com a conformidade total. O desconforto não se anulou por completo. Mas a culpa deu lugar ao lamento. Pelo desperdício. Por observar que poderia ser melhor se a outra parte pudesse enxergar. Se não fosse cultivada a mágoa. Se não fossem elaboradas interpretações erradas. Se fosse possível compreender que nem sempre é suficiente apenas "ser". De tempos em tempos é necessário revisar o que se é para se tornar melhor e mais feliz. É um clichê mas é verdadeiro: nascemos aprendendo e continuamos aprendendo até o último segundo que antecede a morte.

Não gostaria de terminar com um clichê. Mas a vida muitas vezes é assim. Feita de clichês.

2 comentários:

André Lima disse...

O clichê a gente faz banalizando as coisas importantes. Não é questão só de repetir.

Acho que entendi. "Perde quem se fecha à oportunidade de superar as crises."
Lindo demais!

Lilly disse...

André,
eu precisava escrever esse post. Foi muito difícil porque a todo momento eu achava que não estava refletindo exatamente o que eu pensava. Fico muito feliz que você gostou.

Beijos.