quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Existir

Eu li "Perto do coração selvagem". Não sei dar uma opinião precisa. O que posso dizer é que infelizmente me identifiquei com muitas coisas no livro. Digo infelizmente porque pelo pouco que li de Clarice Lispector, creio que ela era a rainha da melancolia. Fiquei pensando quando terminei o livro se a melancolia é algo que nasce com a gente. Que vem no DNA e do qual não conseguimos nos livrar.

Enquanto lia o livro, marquei várias passagens.

Me marcou muito uma onde ela pergunta para a professora do primário, que ficou obviamente muito chocada, como é ser feliz.

Ser feliz. Se não somos felizes, estamos desperdiçando a vida? Vamos adquirir um grave câncer? É amedrontador. Sei ser bastante alegre e me cobro ser feliz. Mas não sei se sei ser feliz. Eu sei ser profunda, envolvente, dominadora. Está em mim. Mas feliz?

Estava lendo um post sobre a fé. Fé é entrega. Para mim, quase irracionalidade. Porque não sei não racionalizar. E me lembrei de algo da infância.

Eu tinha um quarto com móveis brancos, cortina com desenhos de circo e colcha de crochê feita pela minha avó. Isto foi entre 4 e 6 anos. Todo dia, antes de ir para a escola, a empregada, a Miriâm me penteava. Fazia "maria-chiquinha" ou "rabo-de-cavalo". E prendia com um elástico com duas bolas transparentes, cor-de-rosa, que mal parava nos meus lisos cabelos negros. Enquanto ela me penteava, eu me olhava no espelho.

Lembro-me que um dia, me olhei no espelho sozinha. Olhei para o meu quarto visto através do espelho. Pensei: "será que lá do outro lado, dentro do espelho, existe outra história? Outra Lilly, outra realidade, uma história paralela?".

Outro dia me olhei novamente no espelho: "A Lilly que vejo refletida no espelho, a imagem, é idêntica à Lilly que pensa? Imagem e pensamento, formando uma única coisa, são realmente a mesma coisa?".

Não sei se as palavras foram exatamente essas. Mas foi essa a sensação. Mais de 30 anos atrás.

2 comentários:

Cacau! disse...

Acho que são diferentes... A lilly que se olhou não é a mesma que se viu; toda e qualquer passagem de tempo implica em novas impressões, que nos modificam ao longo dos segundos, dias, anos... Cada olhada no espelho nos mostra uma pessoa nova. Aquela, refletida, então? É o seu avesso...
Punk, né? Viajamos!!!!

Lilly disse...

Será que só filha única viaja assim? A Joana, a do livro, também era filha única!
bjs.