domingo, 1 de fevereiro de 2009

Bom senso

A gente tem que tomar muito cuidado com o que lê e a forma como aplica o que leu.

O câncer é uma doença cruel. Cruel, primeiro porque são nossas próprias células que se transformam e crescem numa velocidade exponencial, quase como se o nosso corpo tivesse se voltado contra nós mesmos. Segundo, porque ele corta a nossa defesa pela raíz. O que a gente lê por aí é que a grande chave do sucesso da cura dessa doença é não desistir, estar sempre otimista. Não que isso esteja errado, está certíssimo. Só que a doença, traiçoeira como ela é, faz com que a pessoa deixe de gostar de tudo o que sempre gostou. As comidas preferidas deixam de ter o sabor atraente e acalentador. Os hobbies perdem o colorido. Chegam até a incomodar. Buscar renovação como se aquilo que nos dá energia perde subitamente a graça?

Durante toda a doença do meu pai, chamou-me a atenção que ele deixou de ouvir música, sua maior paixão depois de minha mãe. Eu perguntava para ele se ele ia ouvir um CD ou assistir um show ou filme no DVD e ele não tinha vontade. Analisando a situação tomando por base o que dizem os livros, diríamos que ele estava desanimando, se deixando levar pela enfermidade. Esta é uma análise muito superficial, é a teoria de botequim da auto-ajuda. É necessário entender o "modus operandi" da doença, o que normalmente a gente não conhece, e ler nas entrelinhas, esquecer as interpretações grosseiras, ter bom senso.

Foram 3 semanas muito difíceis. Mas meu pai nunca desistiu. Não desistiu porque não afirmou nenhuma vez se gostaria de ser sepultado ou cremado, não escolheu roupa, não pronunciou nenhum desejo post mortem. Durante os delírios provocados pela forte medicação contra a dor, revisava consultas médicas e os procedimentos de enfermagem. Uma verdadeira prova de auto-preservação e otimismo. Havia raciocínio mesmo na ausência de lucidez. O que é dito num momento de desespero não implica diretamente num sentimento de derrota. Somos humanos, temos direito ao descanso e ao desabafo.

A batalha não foi perdida, era o destino. Vou me utilizar do velho clichê: a morte é a única coisa certa na vida. E é a mais pura verdade.

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