quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Sobre ser oriental no Brasil



Agora eu vou "despirocar" geral. Precisa ter muita coragem para revelar o que eu vou postar agora. Vocês vão me entender.

Eu sou mestiça. Os paulistas vão achar a minha denominação normal. Os não-paulistas podem estranhar o termo. Por mestiço ou mestiça, entende-se em 90% dos casos no Brasil, "cruzamento" entre japonês e brasileiro. É aceitável também para chineses ou coreanos (com brasileiros).

Eu nasci no Rio de Janeiro. Cresci no Rio de Janeiro (capital) numa época em que japoneses e chineses representavam aproximadamente 1% da população. Mesmo sendo mestiça, eu era normalmente referenciada na escola como japonesa. Sim, porque, quando fazemos parte de 1% da população, imediatamente nos tornamos "ponto de referência".

No primário (como chamado na época), havia um professor de educação física que insistia em me carregar nos ombros e fazer referências a minha pessoa como japonesinha e coisas do tipo, o que me causava extremo constrangimento. Acho que posso dizer que eu era a ÚNICA oriental no colégio inteiro.

No ginásio (então 6a.série), eu devia ser uma das 2 ou 3 orientais do colégio. Certa vez passou um filme na televisão ambientado no Vietnã. E havia uma menina chamada, se não me engano, Sing-Ling. Isso foi suficiente para que durante uns 3 meses eu fosse conhecida pelo apelido de "Sing". Anos mais tarde vim a saber que o menino, autor do apelido, era apaixonado por mim.

No segundo grau, a coisa melhorou um pouco de figura. De aproximadamente 100 alunos na minha série, passei a ser uma entre uns 6 ou 7 orientais (japoneses, chineses, mestiças de japonês - EU, e mestiças de chineses - que por sinal eram lindas). E nutria uma admiração super especial pelos chineses que eram muito inteligentes!

Onde eu quero chegar: não foi fácil ser semi-oriental no Rio de Janeiro. Posso afirmar que frequentemente eu ouvia comentários que me desagradavam. Havia quase sempre uma conotação negativa. Fora as crises normais da adolescência, havia o "plus" de ser oriental. Eu não me aceitava. Não me achava bonita por ser oriental. Na época da música "Imagine" depois de John Lennon ser assassinado e Yoko Ono ficar em alta, as pessoas diziam: "olha, ela parece com a Yoko"! E eu me desesperava porque achava a Yoko feia pra burro.

Por outro lado, eu me encantava com diversas coisas da cultura oriental. Coisas que eu não tinha acesso por viver no Rio de Janeiro. Eu queria aprender japonês mas ninguém sabia falar. Eu queria comer comida japonesa mas ninguém fazia. Ocasionalmente chegavam uns doces de quem vinha visitar. Anos mais tarde a comida japonesa passou a ser moda e pelo menos o problema gastronônico foi resolvido.

Cresci assim, meio querendo ser oriental e meio me negando. Sendo brasileira e chamada de japonesa. Não adiantava dizer para mim: "você é bonita". O que ficava na cabeça era: "japonês é feio" e o resto ia por associação.

Vim para São Paulo e virei carioca. Japonesa paraguaia, japonesa falsificada, tudo quanto é tipo de rótulo que vocês possam imaginar. O que sempre me salvou na história foi ter um senso de humor grande e uma mente muito aberta. E ser muito sociável.

Depois de anos de crise, posso dizer para vocês o que eu aprendi: existe gente feia e gente bonita em qualquer raça. Existe gente bonita por fora e feia por dentro. Assim como existe gente bonita por dentro e feia por fora. Hoje eu tenho orgulho de ser oriental. Orgulho do meu cabelo, da minha pele e da minha aparência jovem. Orgulho de ter recebido valores íntegros, noção de que o trabalho vale a pena. Orgulho de ter uma sensibilidade apurada, de estar atenta para a beleza das coisas, de um legado artístico, da organização, exercício da paciência, humildade. Valorizar a família, alimentação, gostar de verduras, legumes, modo de vida saudável. Orgulho de ser oriental e de amar os orientais.

Dedicado a todos os orientais no Brasil. Conhecidos e desconhecidos. Desejo que todos possam algum dia inebriar-se com a dádiva de ser oriental.

15 comentários:

Eu disse...

Relaxa, japa! Rs
Cada pessoa carrega a sua dificuldade, aquilo que é diferente da maioria. Mas a gente sempre acha que todo mundo é normal e a gente é diferente.
Tudo paranóia.
Na minha opinião (e de muita gente que eu conheço), mestiça costuma ser bonita! ;)
Viva as semi-japas desse meu Brasil! hehehe
Beijo!

Pat Ferret disse...

Rsrsrrs Ainda bem que gente não pode ser chamada de "SRD"!!! HUA HUA HUA!!!

Mas olha só: quem me dera ter uma linhagem nobre e ancestral como a sua. Pior é ser branquela sem qqr origem definida, num país de pele bronzeada. Às vezes eu tb me sinto um tremendo peixão fora d'água, sabe? ;-)

Anônimo disse...

é como o breno falou, cada um, por mais perfeito que seja, vai achar um defeito... eu era timida p burro, ning me chamava d timida, mas tmb naum era lembrada...

e a propósito, há uns anos trabalhei no mkt de uma varejista e conheci o diretor d uma multinacional no Brasil... era um chinês... NOOOOOSSA é um dos homens mais bonitos que já vi... e ele me deu mole... e eu naum peguei... profissionalismo do cão ahuaahauahuahaauhauahaua

bjoks,

Tessa.

Lilly disse...

Breno,
já relaxei! O post é o resultado da minha libertação total desses fantasmas... rsrsrs

Pat,
desculpe a ignorância "SRD"? Acho que ando bebendo demais... tô lerda...

Tessa,
olha como eu não trabalho com você, sem stress... apresenta aí que eu pego!!! kkkkkkkkkk

André Lima disse...

hehe, me diverti com os comentários!

Lilly, se eu te disser as coisas que me chamavam na escola... Pelo simples fato de ser um rapaz, digamos... delicado! hahaha Não queria jogar futebol, gostava de ler, se dava com os professores, essas coisas. Além de gay, precoce. Às vezes eu achava que nunca mais ia querer ir pra rua! Mas me curei das paranóias e os tempos mudaram.

Meu irmão mais novo já teve vários colegas gays e achava super normal, mal era motivo para comentar.

Belo texto.

samegui disse...

Senti muita empatia e identificação com seu post, tanto que não resisti e fiz um post comentando ele. Está em http://www.samshiraishi.com/japones-tem-quatro-filhos
Obrigado por compartilhar isso com seus leitores. :)

Barbara disse...

Li, concordo com o Breno. Engraçado que sempre te achei especial por suas diferenças. Mas acredite, também cresci com os fantasmas da diferença. Como filha de portugueses também sofri. Lembro de um professor de história do colégio que durante as aulas falava tão mal dos portugueses que eu simplesmente me desliguei da história do Brasil. Nunca mais me interessei sobre o assunto. Não posso responder pelo passado e acho que ninguém pode. O que passou passou. O que não quer dizer que não podemos tirar lições. Acredito que esse é o papel da História. Tenho orgulho e admiração por meus pais e sua origem. Tive a oportunidade de conhecer a região onde eles nasceram e compartilhar dos hábitos regionais. Foi uma experiência única e inesquecível. Adoro o Fado. Adoro a comida. Afinal, um pouco de Portugal corre em minhas veias ;)

Unknown disse...

Nem preciso dizer que me identifiquei com esse post. Cheguei aqui através da Sam.
Nasci e cresci em São Paulo e sei bem o que é ser "japa" na periferia. Ouvi muitas piadinhas e musiquinhas detestáveis, perdi a conta das vezes que fui excluída das brincadeiras na escola, de quantas vezes chorei por ter essa ascendência. Hoje acho que as coisas estão diferentes, graças a Deus.
Muito boa suas colocações e espero que todos consigam ter orgulho de suas origens como eu aprendi a ter, e você também, né.
Beijos!

Lilly disse...

André, Sam, Babi e Herika

Muito obrigada por compartilharem as experiências de vocês também. Fiquei impressionada com a repercussão deste post. Lindo resultado.

Bjs!!

Teste disse...

Oi Lili... acho que no fundo nos tornamos "párias" onde quer que estemos. Eu sou chileno, mas na boca do povo é paraguayo, boliviano mexicano, qualquer coisa. E para os meu parentes chilenos eu sou o brasileiro. Somos eternos estrangeiros em nossas terras... seja a de nascimento ou aquela que nos aolheu. E quer saber? É bom demais! Só quem teve a possibilidade de conhecer duas culturas a fundo sabe do que eu falo. ;-)

Cacau! disse...

Lilly, não vou comentar agora, me ocorreram algumas coisas para postar depois. Mas já que a Pat não respondeu ainda, "SRD"= "sem raça definida"!É nomenclatura para quem já teve cachorro vira-lata. Lembra da Natty?

Beth Blue disse...

Peguei o bonde andando, mas vou comentar atrasada mesmo! Meu namorado é um caso semelhante ao seu: ele é filho de imigrantes indonésios, nascido em num país de louros de olhos azuis! Quando viaja pela Europa ou EUA e diz que é holandês sempre perguntam: como assim

E eu sei que isso o incomoda, mas hoje em dia ele nem se dá ao trabalho de responder mais à essa gente ignorante. Porque é ignorância mesmo, veja bem: na Europa de hoje quase metade da população em alguns países é composta de imigrantes, filhos e netos de imigrantes.

Só sei que ele tem cabelos pretos e pele morena e eu adoro!!! Brinco que a gente é igual café com leite, eu branquela que sou :-)

Patrícia Ishii disse...

'Eu Amo Ser Mestiça,
Meu maior orgulho!

Gente falando mal tá cheiooo!!

Claro, inveja do meu cabelo longo,negro e liso, dos meus olhos negros e levemente puxados, Da minha Familia Linda! Obs; Minha mãe é japa de olhos verdes, entendeu? Sou Fraca não shahsuhau, FALEM BEM, FALEM MAL, MÁS FALEM DE MIM!

;*

Melissa Kubo disse...

eu queria parecer mais oriental, sou tipo, mestiça da mestiça, ou seja, minha mae é brasileira com japones, meu pai é chileno, sou praticamente uma vira-lata kkkk Eu tenho orgulho de carregar o sobrenome KUBO, só queria olinhos mais puxados :3 kkk

Lilly disse...

Pois é, tem mais é que se orgulhar mesmo!!
Parabéns, meninas! Ainda bem q as pessoas com o tempo se tornaram mais esclarecidas!