domingo, 22 de fevereiro de 2009

Sobre chorar os mortos

Após o falecimento do meu pai eu passei por um período de euforia. Baladas, chopps. Se eu sofria? Sofria sim. Creio que pessoas podem até ter pensado em como eu podia sair e me divertir daquele jeito se o meu pai havia acabado de morrer.

Existem algumas explicações para isso. Não que eu deva explicações. Mas é que para uma pessoa como eu, existe sempre uma tendência à consciência pesada, à auto-punição. Com o tempo eu estou percebendo que ninguém tem o direito de nos cobrar sentimentos ou atitudes quando não lhes dizem respeito e acima de tudo, quando não estão fazendo mal a ninguém. Quando agimos de forma verdadeiramente nociva, aí sim, acho que as pessoas podem nos questionar. Digo isso por dizer por que na verdade, não senti nem de meus amigos e tampouco de conhecidos, que tenham me julgado por isso.

A nossa forma de reagir diante do sofrimento é imprevisível, estou percebendo. Acho que usei e posso até estar usando ainda estas saídas como droga. Uma forma não consciente de esquecer. Música alta, alguma bebida, esquecimento. E quando volto para casa, de novo melancolia.

Outra coisa que reflito, é sobre o início deste luto. Por que a gente pode lamentar a perda de uma pessoa mesmo em vida. Ver o quanto a pessoa mudou, o quanto ela está sofrendo e enfrentar a constatação de que um dia, não se sabe se logo ou um pouco mais tarde, essa pessoa não vai estar mais por perto. A gente reza pela melhora mas percebe que não é tão viável assim. Então, posso afirmar sem dúvida que esse luto não começou no dia em que ele faleceu. Ele começou muitíssimo antes. Talvez no dia em que eu vi o primeiro exame dele.

Aí vem um outro ponto que eu não havia me dado conta. Ao longo dos últimos 15 anos, o convívio com o meu pai foi próximo mas entremeado de longas ausências: viagens minhas, viagens dele. Semanas inteiras sem contato devido à atribulação da vida. É como se mesmo sabendo que ele não está mais entre nós, ele ainda vivesse em algum lugar, longe de mim. E só me dei conta disso agora. Porque neste feriado, apesar de tudo de bonito e divertido que estou vivendo, estou frequentando o espaço dele. São dezenas de livros antigos de faculdade, fitas de vídeo com títulos anotados a mão, aparelhos eletrônicos que ele amava e que estamos usando. Tudo organizado, guardado com capricho, da forma metódica que lhe era tão peculiar.

E para minha surpresa, me peguei chorando novamente. Olhando os livros, orientando o meu filho a ter cuidado com o controle remoto que era dele, vendo a televisão que era dele e chorando. Percebendo que a pessoa se vai mas a energia fica impregnada no ambiente. A presença é sentida nas coisas quando as vemos e lembramos de como ele interagia com elas. Entrar na rotina e perceber que aquilo o que fazíamos juntos nunca mais vai acontecer.

3 comentários:

André Lima disse...

Ai, menina! Me identifiquei muito com tudo o que trouxestes neste texto.

"Por que a gente pode lamentar a perda de uma pessoa mesmo em vida."

Tenho me perguntado sobre isso frequentemente também. Aliás, tenho uns três textos do anos passado sobre isso. Se quiseres dar uma olhada, ficarei satisfeito em saber mais sobre tuas idéias a este respeito.

Lilly disse...

Oi André,
eu já li vários de seus textos, todos de uma linguagem poética muito bonita, que eu particularmente invejo (invejinha inocente). Não me lembro exatamente deste tema mas vou reler com calma depois...
bjs!

André Lima disse...

Chamam-se "Acidentes" e tem 3 partes. E na verdade são de 2007. Não me acostumi a chamar 2008 de ano passado ainda... hehehe

Fico sempre muito lisonjeado com teus elogios.

Siga com tuas criações!
Bj!